Pela primeira vez no Congresso Brasileiro de Cardiologia (SBC 2025) temos o lançamento de uma diretriz de obesidade, que foi escrita em conjunto com mais quatro sociedades (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica, Sociedade Brasileira de Diabetes, Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e Academia Brasileira do Sono).
O tema é de extrema relevância, já que, no Brasil, 68% dos adultos têm sobrepeso ou obesidade. Sabemos que a obesidade está associada a risco elevado de eventos de doença arterial coronariana (DAC), insuficiência cardíaca (IC) e de mortalidade cardiovascular (CV).
A diretriz destaca que devemos ir muito além do IMC para diagnóstico e classificação da obesidade. Destaque para a relação cintura/quadril e cintura/estatura, que evidenciam o possível aumento de gordura visceral, que é forte preditora para morbidade e mortalidade em qualquer categoria de IMC.
1) Definição do risco cardiovascular
É recomendado avaliar e categorizar o risco em relação à Doença Aterosclerótica Cardiovascular (DASCV) e à Insuficiência Cardíaca (IC) de todos os indivíduos adultos acima de 18 anos com sobrepeso ou obesidade com o objetivo de orientar o tratamento da obesidade.
A diretriz recomenda o escore de risco PREVENT no modo que inclui o valor da HbA1c, utilizando o risco DASCV total e o risco IC em 10 anos. Importante destacar que ele só é validado em pessoas com sobrepeso ou obesidade com IMC menor que 40 kg/m2 e idade entre 30 e 79 anos, que estejam em prevenção primária.
Atenção para aqueles classificados como risco moderado, já que alguns precisam ser reestratificados:
- Aqueles com história familiar de DAC precoce devem realizar o escore de cálcio coronário (CAC). Se CAC > 100 Ag (sem diabetes) ou CAC > 10 Ag (com diabetes) = reestratificação para ALTO RISCO.
- Pacientes que apresentam diabetes tipo 2 há mais de 10 anos ou doença renal crônica (TFG < 45 ml/min/1,73m2 e/ou albuminúria, com relação albumina/creatinina (RAC) > 30 mg/g) devem ser considerados de RISCO ALTO, independentemente do escore PREVENT.
Categorias de risco para DASCV
Risco baixo
- IMC < 40 kg/m² e idade menor que 30 anos sem nenhum fator de risco CV
- Idade ≥30 anos, com risco CV total pelo escore PREVENT menor que 5% em 10 anos.
Risco moderado
- IMC < 40 kg/m² que nunca tiveram eventos CV, com 1 ou mais fatores de risco
- Risco CV total pelo escore PREVENT entre 5% e < 20% em 10 anos.
Alto risco
- Doença coronariana crônica confirmada, infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico ou acidente isquêmico transitório (AIT), doença arterial obstrutiva periférica (DAOP), revascularização em qualquer território arterial
- Escore PREVENT maior ou igual a 20% em 10 anos
- Diabetes tipo 2 há mais de 10 anos
- Doença renal crônica 3b
- Escore de cálcio coronário (CAC) > 100 Ag (sem diabetes) e CAC > 10 Ag (com diabetes)
- Lp (a) > 50 mg/dL ou Lp(a) > 125 nmol/L
- HF ou LDL > 190 mg/dL
Os pacientes com risco alto de desenvolvimento de IC devem ser rastreados por meio de BNP/NT próBNP ou método de imagem. São os pacientes com:
- Escore PREVENT maior ou igual a 20% para IC
- IMC > 40kg/m2, mesmo assintomático
- Pessoas com obesidade, diabetes e hipertensão associados
- Apneia obstrutiva do sono (AOS) grave
- Fibrilação Atrial
- Doença renal crônica grau 3b
- DASCV estabelecida
- Sintomas sugestivos de IC.
A diretriz destaca que a obesidade é um importante fator de risco para a IC com fração de ejeção preservada (ICFEP) e indivíduos com obesidade tendem a receber o diagnóstico tardiamente, com quadros já avançados de disfunção cardíaca, já que os sintomas muitas vezes são atribuídos à obesidade per se.
Lembrar que o limite de NT-proBNP para exclusão de IC (< 125 ng/L) apresenta sensibilidade baixa (67%) em indivíduos com IMC > 35 kg/m2. Nestes, um limite de exclusão mais baixo (50 ng/L) mostrou ter maior sensibilidade (93% a 98%). Vale lembrar que o uso isolado de NT-proBNP (ou BNP) para orientar o diagnóstico de IC em indivíduos com obesidade deve ser criterioso. Na presença de sintomas e sinais clínicos de IC, mesmo com valores normais, a investigação por métodos diagnósticos complementares é recomendada.
2) Metas perda de peso
É RECOMENDADA a redução sustentada de pelo menos 5% do peso, em indivíduos adultos com sobrepeso ou obesidade e RISCO DASCV MODERADO, para redução de fatores de risco CV, como HAS e dislipidemia, bem como para atrasar ou evitar o surgimento de diabetes tipo 2.
Para a redução de eventos cardiovasculares, a meta deve ser um pouco maior: redução sustentada de pelo menos 10% do peso máximo já atingido na vida.
3) Intervenções para redução de eventos e fatores de risco
É RECOMENDADA a adoção de mudanças de estilo de vida, incluindo dieta saudável e atividade física, para todas as pessoas com sobrepeso ou obesidade, independentemente do risco CV, com o objetivo de reduzir o peso, melhorar a saúde, a qualidade de vida e prevenir HAS, diabetes tipo 2, DLP, DASCV e IC.
O aconselhamento nutricional deverá focar na redução do tamanho das porções, no aumento da ingestão de frutas, verduras e hortaliças, e na redução de consumo de álcool e alimentos ultraprocessados. Além disso, deve visar um déficit energético inicial de 500-750 kcal/dia. Com a disponibilidade de fármacos antiobesidade de maior potência como a semaglutida e a tirzepatida, déficits calóricos mais expressivos podem ser alcançados. Neste contexto, o consumo variado de macronutrientes, especialmente proteínas, deverá ser monitorado para evitar a sarcopenia e as deficiências nutricionais.
4) Farmacoterapia
O destaque com certeza foram os agonistas de GLP1 e o coagonista tirzepatida.
É RECOMENDADO o tratamento com um agonista do receptor GLP-1 (AR GLP-1) ou coagonista dos receptores GLP-1/GIP, para indivíduos adultos com sobrepeso ou obesidade e risco DASCV MODERADO ou ALTO, para redução de peso e fatores de risco CV. Na prevenção secundária, é recomendada a semaglutida na dose de 2,4mg.
PODE SER CONSIDERADO o uso de outras medicações antiobesidade (sibutramina, orlistat, naltrexona/bupropiona) em pacientes com sobrepeso ou obesidade e risco DASCV MODERADO ou ALTO, na impossibilidade de iniciar ou manter o tratamento com um AR GLP-1 ou coagonista dos receptores GLP-1/GIP, para redução de fatores de risco CV. Atenção: sibutramina é CONTRAINDICADA em pacientes com risco alto de DASCV (estudo SCOUT mostrou aumento do risco de IAM e AVC).
Em pacientes com DM e risco DASCV ALTO, é RECOMENDADO o tratamento farmacológico com um AR GLP-1 (Liraglutida, Dulaglutida ou Semaglutida SC ou Oral).
DEVE SER CONSIDERADO o uso de semaglutida 1,0 mg em pacientes com obesidade ou sobrepeso, diabetes tipo 2 e DRC com taxa de filtração glomerular ≥ 25ml/min/1,73m2 para redução de eventos cardiorrenais.
DEVE SER CONSIDERADO o uso de tirzepatida em combinação com mudança de estilo de vida em indivíduos com obesidade e apneia obstrutiva do sono moderada a grave, para redução da gravidade ou remissão da AOS.
É RECOMENDADO o uso da semaglutida SC (2,4 mg/ semana) ou da tirzepatida (5-15mg/semana) em pacientes com obesidade (IMC ≥ 30kg/m²) e IC estabelecida de fração de ejeção preservada (ICFEp), para redução de peso, melhora de qualidade de vida e de sintomas relacionados à IC.
PODE SER CONSIDERADO o uso de AR GLP-1 em pacientes com obesidade e IC com fração de ejeção reduzida (ICFEr), para redução do peso, com exceção da IC em classe IV (NYHA). Nota importante: Não há ensaios clínicos avaliando a perda de peso em pacientes com obesidade e ICFEr nas classes funcionais III-IV, em termos de melhora de sobrevida. Nesses pacientes, a recomendação de mudança de estilo de vida que inclua restrição calórica deve ser realizada com monitorização clínica cuidadosa, pelo risco potencial de piora do estado catabólico, habitualmente observado nos estágios mais avançados da ICFEr, bem como o desenvolvimento de caquexia e consequente aumento da mortalidade.
5) Cirurgia bariátrica
É RECOMENDADA a indicação de cirurgia bariátrica para indivíduos com IMC ≥ 35 kg/m² e risco DASCV MODERADO/ALTO ou risco IC ALTO, quando o tratamento clínico disponível for insuficiente para promover perda de peso e melhora de fatores de risco CV de forma sustentada.
Cenário | Intervenção | Efeito(s) principal(is) em desfechos |
Risco moderado de DASCV
| AR GLP-1 | ↓ fatores de risco CV |
Tirzepatida | ↓ fatores de risco CV; ↓ apneia do sono | |
MEV com perda de peso >5% | ↓ fatores de risco CV | |
DASCV estabelecida (prevenção secundária)
| Semaglutida SC 2,4 mg | ↓ 3P-MACE; ↓ mortalidade total |
Semaglutida oral | ↓ 3P-MACE | |
iSGLT2 (DM2) | ↓ 3P-MACE | |
iSGLT2 + Semaglutida (DM2) | ↓ 3P-MACE | |
Cirurgia bariátrica (IMC > 40 kg/m²) | ↓ 3P-MACE | |
IC estabelecida
| MEV com ↓ peso >10% | ↑ qualidade de vida; ↑ função cardíaca; ↑ capacidade de exercício |
iSGLT2 | ↓ mortalidade CV | |
iSGLT2 + Semaglutida (ICFEP) | ↓ desfechos de IC; ↓ mortalidade total | |
Semaglutida ou Tirzepatida (ICFEP) | ↑ qualidade de vida; ↓ sintomas de IC | |
AR GLP-1 (ICFER, NYHA II–III) | ↓ peso; ↑ qualidade de vida | |
Risco alto para IC
| Semaglutida SC (ICFEP) | ↑ qualidade de vida; ↓ surgimento de sintomas de IC |
Tirzepatida (ICFEP) | ↑ qualidade de vida; ↓ surgimento de sintomas de IC | |
Risco alto com diabetes (prevenção primária)
| Semaglutida SC (obesidade) | ↓ incidência de IC em alto risco de DASCV |
iSGLT2 + (Semaglutida ou Tirzepatida) (DM2) | ↓ MACE | |
Cirurgia bariátrica (IMC > 40 kg/m²) | ↓ risco de IC | |
Liraglutida 1,8 mg | ↓ MACE | |
Semaglutida SC 1,0 mg e Semaglutida oral | ↓ MACE | |
Semaglutida SC 1,0 mg (DRC + DM2) | ↓ MACE; ↓ desfechos renais | |
iSGLT2 (DAC subclínica) | ↓ MACE | |
MEV com ↓ peso >10% (Obesidade + DM2) | ↓ MACE |
Abreviações: DASCV = doença aterosclerótica cardiovascular; DAC = doença arterial coronariana; DM2 = diabetes melito tipo 2; DRC = doença renal crônica; IC = insuficiência cardíaca; ICFEP = IC com fração de ejeção preservada; ICFER = IC com fração de ejeção reduzida; NYHA = classe funcional; MEV = medidas de estilo de vida; IMC = índice de massa corporal; SC = subcutânea; AR GLP-1 = agonista do receptor de GLP-1; iSGLT2 = inibidor de SGLT2; 3P-MACE = morte CV, IAM não fatal, AVC não fatal; MACE = composto cardiovascular do estudo.
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