Logotipo Afya
Anúncio
Cardiologia25 junho 2025

Revisitando o manejo da dislipidemia na gestação

A gestação leva a um aumento fisiológico dos lipídios, essencial ao feto, mas pode agravar dislipidemias pré-existentes. Saiba mais.
Por Ícaro Sampaio

 

O aumento dos níveis de lipídios e lipoproteínas durante a gestação é fundamental para o crescimento e desenvolvimento adequados do feto. Durante o primeiro trimestre, os lipídios começam a se acumular no organismo materno para manter o desenvolvimento fetal, com início desse processo por volta da sétima semana de gestação e pico ao final do segundo trimestre. No entanto, as mudanças mais significativas nos lipídios ocorrem no segundo e terceiro trimestres. Os níveis de colesterol total (CT) e triglicerídeos (TGL) aumentam de forma importante, impulsionados por hormônios como o lactogênio placentário, o estrogênio e a progesterona. Os triglicerídeos apresentam a maior elevação, atingindo níveis de duas a quatro vezes aos valores prévios à gestação.   

É fundamental lembrar que todas as gestantes apresentam um aumento fisiológico dos lipídios, mas aquelas com dislipidemia prévia tendem a ter um aumento ainda mais acentuado. As mulheres com predisposição genética são particularmente suscetíveis ao aumento de risco cardiovascular durante a gravidez. 

 

Tratamento – Mudanças do estilo de vida 

Antes de avaliar as intervenções farmacológicas, é fundamental implementar mudanças do estilo de vida, principalmente em mulheres com dislipidemia diagnosticada antes da gravidez. As diretrizes recomendam orientação nutricional adequada, com foco na adoção de um padrão alimentar saudável. Embora haja escassez de ensaios clínicos randomizados específicos para gestantes com dislipidemia, os princípios gerais de uma dieta saudável para prevenção cardiovascular devem ser aplicados. Essas recomendações incluem: 

  • Aumento da ingestão de ácidos graxos ômega-3 poli-insaturados; 
  • Redução de gorduras saturadas e trans; 
  • Maior consumo de frutas, vegetais, legumes e oleaginosas. 

O estímulo à atividade física também é recomendado. Revisões recentes mostram que a prática de exercícios durante a gravidez pode reduzir o ganho de peso gestacional e melhorar o controle glicêmico, inclusive em mulheres com diabetes gestacional. Apesar dos benefícios potenciais, essas estratégias de estilo de vida ainda têm impacto limitado nos níveis lipídicos durante a gestação. 

Terapia farmacológica 

A terapia farmacológica das dislipidemias durante a gestação enfrenta limitações importantes devido à ausência de estudos clínicos controlados envolvendo gestantes e ao potencial risco de toxicidade fetal. Tradicionalmente, a exclusão de gestantes de ensaios clínicos levou a uma escassez de dados robustos sobre segurança e eficácia dos medicamentos hipolipemiantes nesse período. As diretrizes recomendam uma avaliação rigorosa da relação risco-benefício antes de indicar qualquer medicação hipolipemiante durante a gravidez. De forma geral, o uso de fármacos hipolipemiantes é contraindicado durante a gestação, a menos que os riscos de não tratar superem claramente os potenciais efeitos adversos. 

Entre as poucas opções consideradas seguras durante a gravidez estão os sequestrantes de ácidos biliares, como colestiramina e colestipol. Esses agentes não são absorvidos sistemicamente, o que minimiza o risco de toxicidade fetal. Seu mecanismo de ação baseia-se na interrupção da reabsorção de ácidos biliares no intestino, promovendo a redução do colesterol LDL. Contudo, seu uso é limitado por efeitos colaterais gastrointestinais e pela possibilidade de redução da absorção de vitaminas lipossolúveis. São recomendados apenas em casos selecionados, como hipercolesterolemia familiar grave. 

As estatinas, por sua vez, estão formalmente contraindicadas durante a gestação devido à sua capacidade de atravessar a barreira placentária e aos efeitos adversos observados em modelos animais, como anomalias esqueléticas e déficits do desenvolvimento. Embora estudos recentes, incluindo análises retrospectivas, não tenham demonstrado um aumento estatisticamente significativo de malformações congênitas em humanos expostos inadvertidamente a estatinas durante o primeiro trimestre, o consenso atual ainda desaconselha seu uso, exceto em situações extremamente específicas e de alto risco, após cuidadosa avaliação individualizada. 

Outras classes de fármacos hipolipemiantes, como os fibratos e a ezetimiba, também carecem de evidências robustas de segurança na gravidez e geralmente não são recomendadas. Os fibratos podem ser considerados apenas em casos de hipertrigliceridemia grave (por exemplo, triglicérides > 1000 mg/dL) com risco iminente de pancreatite, após o segundo trimestre. A ezetimiba, apesar de não apresentar toxicidade comprovada em humanos, tem seu uso restrito a casos muito excepcionais. Já inibidores de PCSK9 continuam sendo contraindicados na gestação, devido à falta de dados de segurança e ao risco teórico de toxicidade fetal. 

A aférese de lipoproteínas é uma opção para o tratamento de dislipidemia durante a gravidez. A principal indicação clínica é para pacientes com hipercolesterolemia familiar homozigótica, especialmente para aquelas com níveis extremamente altos de LDL-C e resposta insatisfatória às terapias convencionais. Além disso, o método também tem sido usado em casos de hipertrigliceridemia grave, com o objetivo de prevenir pancreatite. 

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Ginecologia e Obstetrícia