Pacientes com câncer tem risco aumentado de trombose venosa profunda (TVP), sendo este risco até 7 vezes maior que na população geral. Pacientes com um evento tem indicação de anticoagulação a longo prazo, para prevenir recorrência, e a medicação de escolha é a heparina de baixo peso molecular (HBPM), via subcutânea. Há quase 10 anos, os DOAC (anticoagulantes orais diretos) rivaroxabana, apixabana, dabigatrana e edoxabana foram aprovados para tratamento de TVP em estudos que mostraram eficácia e segurança comparáveis a varfarina em pacientes com fibrilação atrial ou submetidos a cirurgias ortopédicas. Estes estudos excluíram pacientes com câncer e a eficácia e segurança dessas medicações nesta população ainda é incerta.
Baseado nisso foi feito o estudo CANVAS, que comparou a efetividade de duas estratégias de anticoagulação em pacientes com câncer e TVP: HPMB e DOAC.
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Métodos
Foi um estudo pragmático de não inferioridade, aberto, que incluiu uma coorte de pacientes randomizados e uma coorte de pacientes com preferência por algum anticoagulante (esta coorte foi composta por pacientes que recusaram a randomização, porém concordaram em participar do seguimento). Os pacientes foram randomizados para os grupos DOAC e HBPM e os médicos eram cegos em relação a medicação.
Para inclusão, os pacientes deveriam ter 18 anos ou mais, tumores sólidos, linfoma, leucemia linfocítica crônica ou mieloma múltiplo diagnosticados nos últimos 12 meses ou com doença avançada. A TVP deveria ser diagnosticada por exame de imagem nos 30 dias antes da randomização em pacientes sintomáticos ou assintomáticos e independente do anticoagulante iniciado ao diagnóstico. Nos sete dias antes da inclusão, o exame de plaquetas deverias ser maior ou igual a 50 mil/µL e a taxa de filtração glomerular (TGF) maior ou igual a 15 ml/min/1,75m2.
Foram excluídos pacientes com leucemia aguda, transplante de medula óssea recente, sangramento ativo, gestação ou amamentação, uso de medicações que interferem com DOAC e expectativa de vida menor que 3 meses.
O desfecho primário foi incidência cumulativa de recorrência de TVP não fatal no seguimento de 6 meses. Os desfechos secundários foram incidência cumulativa de sangramento maior, sangramento clinicamente significativo, sangramento menor, incidência cumulativa de morte e tempo restrito de sobrevida em 6 meses, qualidade de vida e percepção do paciente em relação ao uso da medicação.
Resultados
Foram incluídos na análise 608 pacientes randomizados, sendo 330 para o grupo DOAC e 308 para o grupo HBPM. No grupo DOAC, 58,5% receberam apixabana, 37% rivaroxabana, 2,7% dabigatrana 1,8% edoxabana. No grupo HBPM, 89,9% receberam enoxaparina, 7,5% fondaparinux e 2,6% dalteparina.
As características dos grupos foram semelhantes entre si, com frequência de tumor altamente trombogênico em 34% e 32%, câncer avançado em 70 e 68%, embolia pulmonar em 58 e 56% e TVP detectada inicialmente por exame de imagem em 38 e 44% nos grupos DOAC e HBPM respectivamente.
Em relação ao desfecho primário, o uso de DOAC foi não inferior ao uso de HBPM. Houve recorrência de TVP em 6,1% dos pacientes do grupo DOAC e 8,8% dos pacientes do grupo HBPM.
Em relação aos desfechos secundários, no grupo DOAC houve sangramento maior em 5,2% sangramento clinicamente significativo em 5,8% e sangramento menor em 8%, comparado a 5,6%, 2,6% e 11,4% no grupo HBPM respectivamente. Morte ocorreu em 21,5% no grupo DOAC e 18,4% no HBPM. As alterações nos questionários de qualidade de vida foram semelhantes nos dois grupos, assim como as impressões dos pacientes em relação ao tratamento. Eventos adversos também foram semelhantes entre si.
Comentários e conclusão
Apesar de algumas limitações, como os pacientes não serem cegos para o tratamento, a randomização ter ocorrido em até 30 dias após o diagnóstico, quando os pacientes já estavam em uso de algum anticoagulante e a causa de a morte não poder ser diferenciada entre TVP e o próprio câncer avançado, este estudo mostrou que os DOAC são não inferiores a HBPM para prevenção de recorrência de TVP em pacientes com câncer.
Ponto importante é que foram incluídos pacientes com metástases cerebrais, plaquetopenia limítrofe e limitação funcional, que geralmente são excluídos deste tipo de estudo e que representam boa parte dos pacientes oncológicos, o que ajuda na maior generalização dos resultados.
A taxa de sangramento clinicamente relevante foi maior no grupo DOAC, porém sangramento maior foi semelhante. Isso pode ser explicado pelo fato de a maior parte dos pacientes ter feito uso de apixabana, o DOAC com menor risco de sangramento.
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Mensagem prática
Baseado nestes resultados, os DOAC são não inferiores a HBPM nos pacientes com câncer e TVP e podem ser utilizados como opção terapêutica para reduzir o risco de recorrência da trombose com segurança.
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