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Cardiologia9 fevereiro 2017

Estratégias para lidar com a miopatia por estatinas

A prevalência e a importância das doenças cardiovasculares faz com que elas sejam grandes impactantes na morbidade e na mortalidade da população.

Por Hassan Rahhal

A prevalência e a importância das doenças cardiovasculares faz com que elas sejam grandes impactantes na morbidade e na mortalidade da população, principalmente nos países mais desenvolvidos. A partir daí, surgiu um interesse crescente na ciência médica das últimas décadas, e a indústria farmacêutica teve grandes benefícios com o desenvolvimento de novas drogas e equipamentos.

Nos últimos anos, um tema de debate vem sendo a indicação adequada das estatinas. As estatinas modificam os níveis de colesterol e são associadas com redução nos desfechos cardiovasculares, como óbito. A grande questão surge a partir de numerosos estudos sobre o tema e várias diretrizes com diferentes informações sobre seu uso adequado. Por exemplo, a diretriz americana (uma das mais permissivas ao uso de estatinas) recomenda seu uso para qualquer homem branco entre 63 e 75 anos e qualquer mulher branca entre 71 e 75 anos. Todas essas informações desencontradas e cada vez mais indicando o uso de estatinas provocou a piada entre muitos médicos: por que não colocar estatina na água?!

Infelizmente, ao analisar os resultados dos estudos, por vezes esquecemos conceitos estatísticos importantes para entender o real benefício que uma determinada intervenção encontrou. Enquanto isso, congressos, palestras, mídia e indústrias financiam a ideia da prescrição de medicamentos que podem reduzir sua mortalidade. Do outro lado, associações como o Choosing Wisely e o Slow Medicine promovem um debate diante de outros aspectos e problematizam todo esse processo.

Como toda intervenção médica, o uso de estatina não é isento de riscos. O principal evento gerado por ela são as miopatias, as quais incluem mialgia (dor muscular) e miosite (inflamação muscular com elevação de CPK), e até mesmo rabdomiólise ou mionecrose (bem mais raros). Esses efeitos musculares da estatina são, por vezes, intoleráveis, e são mais comuns naqueles que fazem exercício físico. Daí, surgem dúvidas importantes: recomendo menos exercício, menos estatina, alguma medida auxiliar?

Mais do autor: ‘IAM com alterações de alto risco no ECG: indo além do supradesnivelamento do segmento ST’

Uma revisão publicada no The Journal Of The American Board Of Family Medicine buscou na literatura médica quais seriam as melhores intervenções para se evitar mialgia nos adultos que praticam exercício.

Apesar de ainda haver dúvida no mecanismo exato da lesão muscular pela estatina, os maiores estudos observacionais para avaliar a incidência de miopatias com estatinas chegaram a valores de 9,4% e 10,5%, tal que uma metanálise identificou um OR=2,3 para miopatias quando comparou estatina com placebo.

É importante lembrar outros dados sobre a prática de exercício físico destacados pelo próprio autor do trabalho:

  • Exercício físico consistentemente se mostrou benéfico para reduzir a mortalidade cardiovascular enquanto estratégia de prevenção primária (nas pessoas que não têm doenças cardiovasculares), algo que não é tão consistente nos resultados com estatina;
  • Exercício físico tem evidência de benefício na população mais idosa, enquanto as estatinas são controversas nessa população.
  • Atividade física tem um efeito continuado ao longo de mais de 10 anos e reduz as prevalências de obesidade e de diabetes (estatinas parecem aumentar um pouco a chance de ocorrer diabetes);
  • A prática de atividade física regular envolve também outras mudanças no comportamento diário, que refletem na melhora da qualidade de vida sob outros aspectos, um benefício inviável a qualquer medicação.

Portanto, devemos incentivar a prática de atividade física de forma sadia e segura, e colocá-la como uma opção acima do uso da estatina na prevenção primária de desfechos cardiovasculares.

Caso haja indicação de estatina podemos estabelecer seu uso de acordo com as seguintes recomendações:

  • Desenvolva e incentive o paciente a realizar atividades físicas regulares antes da introdução da estatina; com a introdução da estatina, oriente o paciente sobre a possibilidade de miopatias e monitorize clinicamente isso nas consultas subsequentes (alguns recomendam dosagem inicial de CPK e dosagem subsequente se houver sintomas);
  • Caso surjam sintomas, avalie se há alguma outra etiologia além do uso da estatina.

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Se você estiver pensando na estatina como etiologia dos sintomas musculares, estabeleça um plano terapêutico. A tabela 1 sumariza algumas estratégias sugeridas nesse trabalho. De maneira sucinta, podemos delinear a seguinte estratégia (fluxograma proposto pelo autor na imagem 1):

  • Interrompa a medicação, reavalie se houve melhora dos sintomas; reintroduza a medicação e avalie se há surgimento dos sintomas (isso permite a você ter mais certeza dessa associação);
  • Faça dosagem de vitamina D para avaliar sua reposição;
  • Tente reintroduzir a estatina numa dose mais baixa ou tente mudar a estatina utilizada.

Tabela 1: Estratégias para lidar com a miopatia por estatina

EstratégiaEvidência e Lógica
Desenvolver um programa de atividade física antes da introdução da estatinaMiopatia é mais comum naqueles que começam a fazer atividade após sua introdução
Reduzir a dose da estatinaNa prevenção primária, doses mais baixas podem ter o mesmo benefício
Reduzir a potência da estatina escolhidaApesar de achados conflitantes, existe algum grau de evidência sugerindo que isso possa reduzir os sintomas
Reduzir a frequência das tomadas da medicaçãoA rosuvastatina (duração longa) pode ser usada 1 ou 2 vezes por semana sem grandes alterações no seu benefício e reduzindo sintomas musculares
Alterar a estatina de acordo com seu mecanismo de açãoExiste alguma evidência mostrando que estatinas com diferentes farmacodinâmicas podem ter diferentes taxas de miopatia; a fluvastatina parece induzir menos miopatia
Avaliar se há deficiência de vitamina DDeficiência da vitamina D e uso de estatina é uma associação que parece produzir mais miopatias, e a repleção da vitamina pode amenizar esses sintomas
Avalie o uso de drogas alternativasApesar de não haver evidência para prevenção primária com o uso de ezetimibe, niacina ou fibratos, essas medicações têm evidências na prevenção secundária. Os novos inibidores de PCSK9 ainda são muito caros, pouco disponíveis e também sem evidência para esse perfil de população
Imagem retirada na íntegra de Bosomworth NJ, 2016.

Referência:

  • Statin therapy as primary prevention in exercising adults: best evidence for avoiding myalgia. Bosomworth NJ. J Am Board Fam Med. 2016;29(6):727-40.

 

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