Hipertensão (HAS) é uma doença muito comum na prática clínica: estima-se que 20 a 30% da população mundial seja hipertensa. Por isso, qualquer que seja sua especialidade, você provavelmente lidará com hipertensos.
A principal causa da hipertensão é a chamada “primária ou essencial”, isto é, uma combinação de fatores promove o aumento sustentado da pressão arterial. Esses fatores incluem retenção de sal e água, rigidez vascular, disfunção endotelial, resistência insulínica, apneia do sono, entre outros.
Contudo, em 5% dos casos, há uma doença subjacente que, se tratada, pode até curar o paciente! Como suspeitar? A tabela abaixo traz as clássicas situações onde a investigação de causas secundárias está recomendada e as doenças relacionadas:
HAS resistente | Múltiplas causas: DRC, DM, obesidade, etc |
Início < 30 ou > 55 anos | Doença renal: parenquimatosa ou renovascular |
Assimetria renal | |
Sopro abdominal | |
Piora da função renal com iECA/BRA | |
Flash pulmonary edema | |
Anticoncepcionais, descongestionantes nasais, corticoide, metilfenidato | Medicações |
Picos hipertensivos paroxísticos | Feocromocitoma |
Cefaleia + palpitações + sudorese | |
Hipocalemia sem diuréticos | Hiperaldosteronismo |
Obesidade, roncos, sonolência diurna | Apneia Obstrutiva do Sono |
Facies cushingoide | Síndrome de Cushing |
Redução pulsos MMII | Coarctação aorta |
Na teoria, parece fácil. Mas lá no ambulatório, cara-a-cara com o paciente, o quê e como solicitar os exames diagnósticos? Pede tudo de uma vez? Não atrapalha o esquema anti-hipertensivo? Muita calma nessa hora.
Na ausência de pistas claras – por exemplo, é apenas um paciente com hipertensão resistente jovem – a solicitação dos exames deve ser feita gradualmente, começando pelas doenças mais comuns e pelos exames mais simples. E, sim, talvez você tenha que adaptar o esquema anti-hipertensivo durante a investigação.
Primeiro passo: estadie a gravidade da HAS. Procure lesões de órgão-alvo. Uma HAS resistente sem lesão de órgão-alvo deve levar você a pensar em pseudo-hipertensão, por má adesão à dieta ou ao tratamento. A MAPA de 24h ajudará você nisso. O estadiamento da HAS envolve:
- Fundo-de-olho: retinopatia
- ECG e/ou ecocardiograma transtorácico: HVE e IC
- EAS e função renal (ureia, creatinina e albuminúria): nefropatia
(lembre-se de utilizar as fórmulas CKD-EPI ou MDRD para estimar a taxa de filtração glomerular!)
Segundo passo: vamos considerar que possíveis medicações você já tenha descartado na anamnese. A partir daí, as causas renais são as mais comuns (5%), seguido do hiperaldosteronismo primário (0,1-1%). Desse modo, escolha o próximo exame da tabela abaixo. Não há uma escolha ideal e sim parâmetros para você avaliar caso a caso.
Avaliação | Exame | Vantagens e desvantagens |
Função Renal | Cistatina C | Dosagem sérica, apresenta melhor correlação com taxa de filtração glomerular em comparação com creatinina. |
Urina 24h | Não é perfeita como inulina e é trabalhosa na coleta. | |
US Vias Urinárias | A presença de rins pequenos ou com atrofia cortical sugere doença parenquimatosa crônica. | |
Cintilografia DMSA e DTPA | Avalia lesões no parênquima (DMSA) e mede a filtração glomerular (DTPA). Antigamente era associada com captopril como pesquisa de estenose renal, mas esse teste caiu em desuso. | |
Vascular | US com doppler artérias renais | Tecnicamente difícil, principalmente obesos. O marco é o aumento do “índice de resistência”. |
AngioTC Artérias Renais | Acurácia comparável ou até superior à angiografia. O maior problema é o uso de contraste em pacientes já com dano renal de base. | |
AngioRM Artérias Renais | Não tem a mesma resolução da angioTC, mas ainda assim é um exame excelente. Era muito utilizado quando havia contraindicação ao iodo. O balde de água fria veio com os casos de fibrose em pacientes com DRC estágios 4 e 5. | |
Angiografia | Padrão-ouro, é reservada quando há perspectiva de tratamento invasivo (stent). | |
Hiperaldosteronismo | Relação Aldosterona / Atividade de Renina Plasmática (APR) |
|
* Algumas fontes sugerem o uso de testes confirmatórios antes da angioTC, para não cairmos no risco de achar que um incidentaloma adrenal é um adenoma de Conn. Veja o que diz a VII Diretriz Brasileira de Hipertensão:
“Testes confirmatórios são preconizados quando Aldo > 15 ng/dl e < 25 ng/dl e relação Aldo/ARP > 30 e < 100. Os testes da furosemida e do captopril têm maior precisão diagnóstica que o teste da sobrecarga salina. No teste da furosemida, o paciente deve permanecer deitado por no mínimo 30 minutos, administrar furosemida 40 mg IV e dosar renina após 2 horas de deambulação. O teste é considerado positivo se a APR for < 2 ng/ml/h. No teste do captopril, administram‑se 50 mg de captopril oral após o paciente ter permanecido sentado ou em pé por pelo menos 1 hora. Deve-se dosar renina e Aldo nos tempos 0, 60 e 120 minutos. O teste é considerado positivo se não houver queda > 30% da Aldo sérica ou se ela permanecer > 12 ng/dl. No teste de sobrecarga salina, administram-se 2 litros IV de soro fisiológico 0,9% em 4 horas. A dosagem de Aldo será ≥ 5 ng/dl.”
Terceiro passo: ainda não descobriu ser a hipertensão é secundária? Fique calmo. É muito provável que a HAS seja mesmo essencial, pois as doenças a seguir raramente apresentam-se com HAS isolada, sem outras manifestações clínicas. Ainda assim, é válido pesquisá-las.
Doença | Exame |
Apneia Obstrutiva do Sono | Polissonografia |
Feocromocitoma | Metanefrina urinária (urina 24h)
Metanefrina livre plasmática |
Síndrome de Cushing | Cortisol salivar noturno
Cortisol na urina de 24h Teste de supressão com dexametasona |
Coarctação da Aorta | Ecocardiograma
US Aorta Abdominal AngioTC ou AngioRM Aorta |
Veja também: ‘Hipertensão Arterial Sistêmica: plano terapêutico’
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