Logotipo Afya
Anúncio
Cardiologia5 janeiro 2018

Endomiocardiofibrose: como diagnosticar

Endomiocardiofibrose [EMF] é a cardiomiopatia restritiva mais comum no mundo e é uma doença endêmica em determinadas regiões como o nordeste do Brasil.

Tempo de leitura: [rt_reading_time] minutos.

Endomiocardiofibrose [EMF] é a cardiomiopatia restritiva mais comum no mundo. Denominamos cardiomiopatia restritiva a doença miocárdica caracterizada por diminuição primaria da complacência do ventrículo, levando a um enrijecimento excessivo das paredes miocárdicas, culminando com disfunção diastólica. Nos estágios mais tardios, a função sistólica também estará prejudicada. As cavidades ventriculares podem se apresentar de tamanho normal, diminuídas ou levemente aumentadas, já os átrios estão quase sempre aumentados.

A EMF é uma doença endêmica em determinadas regiões como: África equatorial, sudeste asiático, Índia, Colômbia e nordeste do Brasil. Em alguns países africanos a prevalência pode chegar até a 20%, geralmente em jovens. Os pacientes apresentam em sua maioria nível sócio-educacional mais baixo e má alimentação com uma dieta pobre em carnes e peixes, o que nos leva a interrogar um provável fator nutricional associado a doença.

As primeiras descrições sobre a EMF ocorreram entre 1975 e 1977 por meio de autópsias realizadas em Moçambique. Na África, a EMF é uma causa frequente de IC sendo responsável por 10% a 20% das mortes de causa cardíaca. Há maior prevalência no sexo feminino, com predomínio na etnia negra. A EMF se apresenta como infiltrados fibrosos que se depositam nos ápices ventriculares com alterações no processo de enchimento ventricular.

A principal sintomatologia inclui sinais e sintomas de IC. A fibrose endocárdica envolve principalmente os ápices dos ventrículos direito e esquerdo e pode afetar as válvulas atrioventriculares, principalmente por acometer os músculos papilares levando a regurgitação tricúspide e mitral. A forma mais comum é a EMF biventricular, em aproximadamente 50% dos casos há envolvimento biventricular, 40% do ventrículo esquerdo e em 10% do ventrículo direito.

Quando há acometimento das câmaras direitas há predomínio da reg tricúspide e pode haver presença de ascite volumosa, com ou sem edema periférico, hepatomegalia, náuseas e pressões de enchimento elevadas. A presença de ascite pode ser desproporcional ao edema periférico – isso se deve pela presença concomitante de enteropatia perdedora de proteínas com consequente hipoalbuminemia. Pacientes com insuficiência tricúspide podem ter ondas V gigantes observadas nos pulsos jugulares. Nas câmaras esquerdas predominam congestão, dor torácica, dispneia -sintoma predominante – além de fadiga, dispneia paroxística noturna e ortopneia. Complicações tromboembólicas também podem ocorrer.

Pacientes com EMF também podem apresentar sintomas de arritmia como síncope, lipotimia e palpitações. A fibrilação atrial está presente em 37% dos casos e apresentações graves do tipo morte súbita abortada por arritmias ventriculares fatais também são registradas.

Mais do autor: ‘Takotsubo X SCA – um desafio para o emergencista’

Achados eletrocardiográficos: fibrilação atrial ocorre em um terço dos pacientes, pode-se observar baixa voltagem dos complexos QRS, bloqueios AV, alentecimento na condução pelo ramo direito ou esquerdo do feixe de HISS, evidências de sobrecarga atrial.

Ecocardiograma: é a modalidade diagnóstica de escolha para EMF. A presença e a localização da fibrose se correlaciona bem com os achados da autópsia. Espessamento da parede infero-basal do VE obliteração apical e trombos aderentes à superfície endocárdica, além de derrame pericárdico, são achados frequentes. Análise da função diastólica demonstra padrão restritivo acompanhado de aumento no volume atrial. Reg mitral e tricúspide podem estar presentes.

Angiografia: era considerada o padrão ouro para diagnostico. A ventriculografia esquerda e direita demonstram distorção da câmara por fibrose e obliteração apical, além de vários graus de reg mitral e tricúspide. O sinal do cogumelo ou luva de boxer é usado para descrever a forma que o ventrículo afetado assume quando há obliteração completa do ápice.

A RNMC pode identificar a EMF nas imagens de cinerressonância facilmente por não possuir limitação, tipo janela acústica desfavorável, e realizar o diagnóstico diferencial com a cardiomiopatia hipertrófica apical. A EMF possui um padrão habitual de realce tardio identificado como uma imagem linear hiperintensa com o formato de letra V, representando a fibrose endocárdica ou como o sinal de duplo V, formado por esta imagem hiperintensa recoberta internamente por outra camada hipointensa – correspondente ao trombo-calcificação associado.

A terapêutica é direcionada para IC. Uso de diuréticos para o manuseio da volemia e betabloqueadores para melhora do enchimento ventricular são as principais drogas utilizadas. Em pacientes portadores de trombo, indicamos o uso de anticoagulantes orais por, pelo menos, 6 meses.

A cirurgia de ressecção do miocárdio com reconstrução ventricular e troca valvar surge como principal opção terapêutica, estando indicado nos pacientes sintomáticos NYHA III e IV. Apesar de taxas de mortalidade altas no pós-operatório imediato (15 a 30%), há benefícios na sobrevida a longo prazo.

A EMF persiste como um mistério na cardiologia clínica. A morte geralmente ocorre como um resultado da insuficiência cardíaca progressiva ou de arritmia associado e morte súbita cardíaca.

É médico e também quer ser colunista da PEBMED? Clique aqui e inscreva-se!

Referências:

  • Mocumbi AO, Ferreira MB, Sidi D, Yacoub MH. A population study of endomyocardial fibrosis in a rural area of Mozambique. N Engl J Med. 2008;359(1):43-9.
  • Bukhman G, Ziegler J, Parry E. Endomyocardial fibrosis: still a mystery after 60 years. PLoS Negl Trop Dis. 2008;2(2):e97.
  • Bukhman G. Endomyocardial fibrosis. UptoDate [internet]. [cited 2009 Sep 10]. Available from: http://www.uptodate.com
  • Moraes F, Lapa C, Hazin S, Tenorio E, Gomes C, Moraes CR. Surgery for endomyocardial fibrosis revisited. Eur J Cardiothorac Surg. 1999;15(3):309-12.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Cardiologia