Terapia antitrombótica na dengue: como manejar?
Em que se apoiar para a tomada de decisão?
Imagine um paciente de 65 anos, hipertenso, diabético e tabagista, que desenvolve um quadro de dengue clássica 20 dias após o tratamento de uma síndrome coronariana aguda que resultou na implantação de um stent farmacológico no terço proximal da artéria descendente anterior e prescrição de dupla antiagregação plaquetária (DAPT): AAS e clopidogrel. A vinheta clínica deixa clara uma condição de risco extremamente elevada de evento trombótico agudo com a suspensão da DAPT, com possibilidade da trombose aguda de stent e consequente infarto do tipo 4, expondo uma grande área de miocárdio ao insulto isquêmico. Em contrapartida, na vigência de trombocitopenia grave e diátese hemorrágica, a dupla antiagregação implica em risco aumentado para sangramentos maiores. De forma a homogeneizar as condutas e facilitar a tomada de decisão para quem está na ponta do cuidado, a 6ª edição do manual de dengue do Ministério da Saúde, publicada em janeiro de 2024, traz algumas recomendações práticas. De toda maneira, as decisões são complexas e devem ser individualizadas. Sempre que possível, a discussão do caso com o médico assistente, seja cardiologista, hematologista ou reumatologista, deve ser encorajada.Princípios norteadores das condutas
São três os principais parâmetros que guiam as condutas quanto à terapia antitrombótica entre indivíduos com dengue:- A balança entre o risco de trombose vs risco de sangramento;
- A contagem de plaquetas;
- Tipo de stent (farmacológico vs convencional);
- Intervalo de tempo transcorrido desde a realização do procedimento.
Terapia antitrombótica na dengue | |||
Plaquetas (/mm³) |
> 50.000 |
30.000 - 50.000 |
< 30.000 |
Stent farmacológico < 6 meses ou stent convencional < 1 mês (DAPT)
|
Manter a DAPT e acompanhar ambulatorialmente, com contagem diária das plaquetas. | Manter a DAPT e acompanhar em leito de observação, com contagem diária das plaquetas. | Suspender a DAPT e acompanhar em leito de observação, com contagem diária das plaquetas e retomada da DAPT com plaquetas > 50.000. |
Stent farmacológico > 6 meses, stent convencional > 1 mês, profilaxia secundária de DAC ou AVC (AAS) |
Manter AAS. |
Manter AAS e acompanhar em leito da observação. |
Suspender AAS, acompanhar em leito de observação até que as plaquetas estejam > 50.000. |
Anticoagulação terapêutica com VKA (alto risco trombótico) |
Dosagem ambulatorial do TAP e contagem de plaquetas diária. |
Internação com substituição do VKA por HNF quando RNI estiver < 2. |
Suspensão do VKA com contagem diária de plaquetas e acompanhamento do RNI. |
Anticoagulação terapêutica com DOAC (alto risco trombótico) |
Manter DOAC. |
Interrupção do DOAC, com início de HNF após 24h da última dose ou transcorridas 2 vezes a meia-vida |
Interrupção do DOAC, com admissão hospitalar e vigilância diária das plaquetas, considerando-se a retomada quando estiverem > 50.000. |
Sangramentos graves
Na vigência de sangramentos graves, associados à plaquetopenia, além da suspensão da terapia antitrombótica e medidas hemostáticas específicas na dependência do sítio de sangramento, são recomendadas as seguintes condutas:- DAPT: transfusão de plaquetas (1U para cada 10 kg de peso);
- Varfarina: plasma fresco congelado (15 mL/kg) ou complexo protrombínico ativado com alvo de RNI < 1,5 e vitamina K 10 mg pela via oral ou endovenosa (evitar o uso em pacientes com síndrome antifosfolípide).
- DOAC: a indisponibilidade de antídotos no Brasil torna as medidas suportivas e o decaimento da meia-vida as condutas mais rotineiras; entretanto, caso disponíveis, podem ser avaliados o andexanet alfa (inibidores do fator Xa) e idarucizumab (específico para a dabigatrana).
Mensagens práticas
- A epidemia de dengue no Brasil em 2024 tem tomado proporções alarmantes.
- A maior incidência da doença traz consigo o acometimento maior de pacientes sob vigência de terapia antitrombótica.
- O principal desafio é a tomada de decisão frente a quadros de dengue grave entre indivíduos com risco trombótico muito alto.
- Os pilares norteadores das condutas incluem o risco trombótico, o valor das plaquetas e, nos casos de intervenção coronária percutânea prévia, o tipo de stent e o intervalo desde a sua implantação.
- As evidências nesse campo são escassas, valendo-se da opinião de especialistas com base em plausibilidade biológica.
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