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Clínica Médica8 março 2024

Terapia antitrombótica na dengue: como manejar?

Última edição do manual de dengue do Ministério da Saúde traz algumas recomendações práticas
Por Leandro Lima
O primeiro trimestre de 2024 tem trazido dados alarmantes sobre a epidemia de dengue no Brasil. Até esta semana foram contabilizados 1.289.897 casos prováveis de dengue, com 329 mortes confirmadas.   Um entre os vários desafios impostos a quem está na linha de frente são as decisões relativas ao manejo da terapia antitrombótica. 

Em que se apoiar para a tomada de decisão?

Imagine um paciente de 65 anos, hipertenso, diabético e tabagista, que desenvolve um quadro de dengue clássica 20 dias após o tratamento de uma síndrome coronariana aguda que resultou na implantação de um stent farmacológico no terço proximal da artéria descendente anterior e prescrição de dupla antiagregação plaquetária (DAPT): AAS e clopidogrel.   A vinheta clínica deixa clara uma condição de risco extremamente elevada de evento trombótico agudo com a suspensão da DAPT, com possibilidade da trombose aguda de stent e consequente infarto do tipo 4, expondo uma grande área de miocárdio ao insulto isquêmico. Em contrapartida, na vigência de trombocitopenia grave e diátese hemorrágica, a dupla antiagregação implica em risco aumentado para sangramentos maiores.  De forma a homogeneizar as condutas e facilitar a tomada de decisão para quem está na ponta do cuidado, a 6ª edição do manual de dengue do Ministério da Saúde, publicada em janeiro de 2024, traz algumas recomendações práticas. De toda maneira, as decisões são complexas e devem ser individualizadas. Sempre que possível, a discussão do caso com o médico assistente, seja cardiologista, hematologista ou reumatologista, deve ser encorajada.    

Princípios norteadores das condutas 

São três os principais parâmetros que guiam as condutas quanto à terapia antitrombótica entre indivíduos com dengue: 
  • A balança entre o risco de trombose vs risco de sangramento; 
  • A contagem de plaquetas; 
Nos casos de doença arterial coronariana em que foram tratados com stents serão considerados ainda: 
  • Tipo de stent (farmacológico vs convencional); 
  • Intervalo de tempo transcorrido desde a realização do procedimento.  
 

Terapia antitrombótica na dengue 

Plaquetas (/mm³) 

> 50.000 

30.000 - 50.000 

< 30.000 

Stent farmacológico < 6 meses ou stent convencional < 1 mês (DAPT) 

 

Manter a DAPT e acompanhar ambulatorialmente, com contagem diária das plaquetas. 

Manter a DAPT e acompanhar em leito de observação, com contagem diária das plaquetas. Suspender a DAPT e acompanhar em leito de observação, com contagem diária das plaquetas e retomada da DAPT com plaquetas > 50.000. 
Stent farmacológico > 6 meses, stent convencional > 1 mês, profilaxia secundária de DAC ou AVC (AAS) 

Manter AAS. 

Manter AAS e acompanhar em leito da observação. 

Suspender AAS, acompanhar em leito de observação até que as plaquetas estejam > 50.000. 

Anticoagulação terapêutica com VKA (alto risco trombótico) 

Dosagem ambulatorial do TAP e contagem de plaquetas diária.  

Internação com substituição do VKA por HNF quando RNI estiver < 2.  

Suspensão do VKA com contagem diária de plaquetas e acompanhamento do RNI. 

Anticoagulação terapêutica com DOAC (alto risco trombótico) 

Manter DOAC. 

Interrupção do DOAC, com início de HNF após 24h da última dose ou transcorridas 2 vezes a meia-vida 

Interrupção do DOAC, com admissão hospitalar e vigilância diária das plaquetas, considerando-se a retomada quando estiverem > 50.000. 

DAPT: Dupla antiagregação plaquetária, comumente AAS e clopidogrel; AAS: Ácido acetilsalicílico; VKA: Antagonistas da vitamina K, especialmente a varfarina; DOAC: Drogas anticoagulantes de ação direta, como dabigatrana, apixabana, edoxabana e rivaroxabana. HNF: Heparina não fracionada, geralmente administrada em bomba de infusão contínua quando a finalidade é anticoagulação terapêutica, com a necessidade de monitorizar o PTTa e atenção ao surgimento de trombocitopenia induzida por heparina, cujo diagnóstico é ainda mais desafiador no cenário de dengue.  

Sangramentos graves 

Na vigência de sangramentos graves, associados à plaquetopenia, além da suspensão da terapia antitrombótica e medidas hemostáticas específicas na dependência do sítio de sangramento, são recomendadas as seguintes condutas: 
  • DAPT: transfusão de plaquetas (1U para cada 10 kg de peso);  
  • Varfarina: plasma fresco congelado (15 mL/kg) ou complexo protrombínico ativado com alvo de RNI < 1,5 e vitamina K 10 mg pela via oral ou endovenosa (evitar o uso em pacientes com síndrome antifosfolípide).  
  • DOAC: a indisponibilidade de antídotos no Brasil torna as medidas suportivas e o decaimento da meia-vida as condutas mais rotineiras; entretanto, caso disponíveis, podem ser avaliados o andexanet alfa (inibidores do fator Xa) e idarucizumab  (específico para a dabigatrana).  

Mensagens práticas

  • A epidemia de dengue no Brasil em 2024 tem tomado proporções alarmantes.  
  • A maior incidência da doença traz consigo o acometimento maior de pacientes sob vigência de terapia antitrombótica.  
  • O principal desafio é a tomada de decisão frente a quadros de dengue grave entre indivíduos com risco trombótico muito alto.  
  • Os pilares norteadores das condutas incluem o risco trombótico, o valor das plaquetas e, nos casos de intervenção coronária percutânea prévia, o tipo de stent e o intervalo desde a sua implantação.  
  • As evidências nesse campo são escassas, valendo-se da opinião de especialistas com base em plausibilidade biológica.  
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Referências bibliográficas

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